quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Januária uma terra sem fim, de amor e alegria!

Aqui postei alguns vídeos do youtube sobre o vapor
Benjamim Guimarães, para matar saudade.
 
Ouça o som do apito do único vapor movido
a lenha no mundo.
 
 

 
 
 
 


 
 

Vídeos Relativos a nossa amada terra Januária.

 
Saudades de Januária
 
 
 
 
Estes Vídeos foram produzidos por Fernando e Pingo da Art Video.
 
 

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Os “Gaiolas” do São Francisco.

Conheça alguns dos vapores que navegaram no Velho Chico!
Passeie pela história!

Os “Gaiolas” do São Francisco

Segundo o historiador do São Francisco, Brasiliano Braz, foi durante a guerra do Paraguai que o Barão de Guaicui resolveu construir o primeiro “gaiola” que navegaria no rio São Francisco.

O “Saldanha Marinho”

25 de junho de 1867, o governo de Minas, através do conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, firmou contrato com o engenheiro Henrique Dumont, pai de Alberto Santos Dumont - o pai da aviação – para construir um vapor com 25 HP de força. Nascia do “Saldanha Marinho”, de rodas laterais.

Chegou ao porto de Pirapora em 1902 descendo pelo rio das Velhas e foi incorporado ao patrimônio do Estado de Minas Gerais.

Ficou encalhado por muito tempo na foz do rio das Velhas na Barra do Guaicui, e em seguida conduzido para cidade de São Francisco em 1878 e seguindo depois para Pirapora.

Origem - Foi construído na América do Norte, navegou por vários anos no rio Mississipi, depois no rio Amazonas, depois desarmado e transportado em carretas puxadas por bois até os terminais ferroviários até chegar a Sabará, presumivelmente em 1852.

Inaugurado em 1871 pelo imperador Dom Pedro II, foi lançado nas águas do rio das Velhas em grande festa. Desceu o rio das Velhas até o São Francisco, atracando na cidade de São Francisco onde permaneceu por longos anos aos cuidados da Câmara Municipal da cidade.

Durante vários anos, navegou de Pirapora a Juazeiro, tinha o apito rouco e estridente, que atraia os moradores ribeirinhos as margens do rio para vê-lo passar com suas duas rodas laterais.

A capacidade de carga do Saldanha Marinho era de 6 toneladas e de 12 passageiros.


O “Presidente Dantas”


Foi o segundo “gaiola” do São Francisco, veio da Baia da Guanabara para fazer companhia ao Saldanha Marinho.

Foi adquirido da Cia. Ponta D’areia, do Rio de Janeiro pelo governo da Bahia, foi desarmado, e transportado a bordo de um navio até Salvador, indo de trem até Alagoinhas e segui para Juazeiro em carros de boi. Comprado em 1865, somente em 1872 foi lançado nas águas do São Francisco em Juazeiro.

Tinha 30,5m de comprimento e capacidade para 20 toneladas.

Sua primeira viagem foi de Juazeiro (BA) até Santa Maria da Boa Vista (PE) em 22 de dezembro 1872.


A lancha “Cezário”



Em terceiro lugar a navegar as águas do São Francisco, veio a lancha “Cezário”, uma iniciativa dos irmãos Cezários, comerciantes em Juazeiro, viajavam até Bom Jesus da Lapa fazendo intenso comércio nas águas.



O vapor “São Paulo”



Foi construído por iniciativa de Pedro Pereira Pinto e Francisco Bispo, mas não teve vida longa.

Desapareceu misteriosamente do porto de Januária depois de uma divergência entre seus proprietários.



O vapor “Antonio do Nascimento”



Foi o quinto a navegar no Velho Chico, era de propriedade a Nascimento & Irmãos, de Pirapora que trafegava até Bom Jesus da Lapa fazendo comércio de compra e venda para própria firma.

Comprado pela Navegação Mineira do São Francisco, passou a navegar até Juazeiro, sendo desativado em 1965.



O “Alfredo Viana” o baiano “São Salvador”

Construído em Juazeiro em 1937, pela Dourado Viana & Cia., o “gaiola” Alfredo Viana, impulsionado por hélice, depois de navegar muito tempo entre Juazeiro e Santa Maria da Vitória na Bahia, foi vendido a um comerciante Clemente Araújo Castro, e depois adquirido pela Cia. Indústria e Viação de Pirapora, que fez um reforma, transformando-o em “gaiola” de grande porte e passou a ser chamado de “São Salvador”. Capacidade de 40 toneladas.

(Em fase de restauração no porto de Pirapora sendo transformado em barco escola).

O “Mata Machado”

Era o mais possante, e o mais veloz de todos os “gaiolas”, pertencia a frota da Viação Baiana. Tinha o casco achatado, o que fazia que raramente encalhasse nos bancos de areia.

Era confiado aos melhores comandantes, porque só quem queria viajar nele eram as personagens importantes do pais e as famílias nobres da carreira do rio.

Foi o sexto a navegar no São Francisco, chegou a Pirapora em 1906, ano em que o rio transbordou, subindo 7 metros acima do seu leito normal. Foi um dos maiores "gaiolas” daquela época com a capacidade de 75 toneladas.

No mesmo ano que o Mata Machado chegou a Pirapora, encontrou o Saldanha Marinho ancorado no porto. O encontro dos Gaiolas serviu para inaugurar oficialmente a navegação a vapor do São Francisco em Pirapora.

O “Engenheiro Halfeld” e o “Melo Viana”

Os dois foram construídos nos estaleiros de Hamburgo, na Alemanha em 1927, depois de transportados até o Rio de Janeiro, foram levados de trem até Pirapora, onde foram montados e lançados ao rio em 1930.

Foram também desativados pela Cia. de Navegação do São Francisco em 1965.

O “gaiola” “Melo Viana” teve seu nome substituído por “Raul Soares”. Tinha 37,57 m de comprimento com data de construção em 1926. Os dois tinham capacidade de 150 toneladas.

Depois do “Mata Machado” o “gaiola” “Engenheiro Halfeld” era um dos maiores que trafegavam no São Francisco, com duas classes, medindo 47,80 m de comprimento com potencia de 360 c.v. de força.

O “São Francisco”


Foi trazido para o Velho Chico em 1930, mas já navegava no Mississipi desde 1913, quando foi construído.


Como os demais, era movido a lenha, tina 38,8 m, com 60 CV de potencia e com a capacidade de 80 toneladas.

Foi totalmente destruído pelo fogo, no porto de Pirapora, com causa ignorada até os dias de hoje.

Havia sido recuperado e sofrido algumas reformas no estaleiro da Franave em Juazeiro em abril de 1983. Zarpou de Juazeiro com destino a Pirapora conduzindo uma equipe da BBC de Londres, sendo esta sua última viagem.

Dentre todos os gaiolas do São Francisco, haviam sobrado dois, o Benjamin Guimarães e o São Francisco, hoje, somente o Benjamin continua navegando em passeios turísticos.

O “Benjamin Guimarães”


De origem americana, foi adquirido no Amazonas, e hoje navega em passeios Turísticos em Pirapora. Sua capacidade é de 90 toneladas.

É o único vapor movido a lenha do mundo em navegação!



O “Barão de Cotegipe”



 Foi o “gaiola” que mais deixou saudades nas barrancas do São Francisco. Até hoje os barranqueiros comentam sobre o apito melodioso do Barão de Cotegipe. Fabricado na América em 1913, foi reformado em 1967. Abandonado no porto em Pirapora, com o casco enterrado num banco de areia (dados de 1985). Tinha 43 m de comprimento com capacidade de 80 toneladas.



O “Fernandes da Cunha”


 Como o São Salvador, o “gaiola” “Fernandes da Cunha” foi construído em Juazeiro em meados de 1926, com a maquina mais moderna da época tinha capacidade de 176 HP de força. Com a capacidade de 80 toneladas, ainda conduzia duas chatas com 90 toneladas cada.


Em 1978 foi incendiado no porto de Matias Cardoso a 413 km de Pirapora, para onde foi levado depois do incêndio e abandonado, cuja carcaça se encontra submersa.

O “Cordeiro de Miranda”



Fabricado na Escócia em 1912, foi conduzido em lombo de animais até o porto de Juazeiro.

Seu nome anterior era “Rio Branco”, por ser muito alto e estreito, naufragou duas vezes.

Depois, com o novo nome “Cordeiro de Miranda”, trafegou por longos anos, vindo a naufragar em 13 d fevereiro de 1943, acima de Remanso a 48 km, num lugar denominado “Malhadinha” morrendo seu comandante Samuel Ayres do Nascimento, de Juazeiro, além de 27 pessoas entre tripulantes e passageiros.

“Os sobreviventes do naufrágio foram socorridos pelos tripulantes do “gaiola” Engenheiro Halfeld” a meia noite e meia, exatamente na hora do acidente.

O Cordeiro de Miranda tinha 28,7 m de comprimento, 60 HP de potencia.


O “Wenceslau Braz”


Considerado um dos melhores vapores para o turismo que a Franave possuía. Transportado do rio Sapucaí para o leito do rio das Velhas em data ignorada, sofrendo naufrágio em 1968 na Cachoeira do Sobrado, onde hoje esta localizada a barragem de Sobradinho. Foi desativado em 1975 e em julho de 1981 foi transformado em chata para transportar carvão vegetal.


O “Fernão Dias”


Construído em Glasgow, na Inglaterra, encomendado pelo governo mineiro em 1924, chegou ao porto de Pirapora em 1928. Terminada a montagem em 1929, foi lançado as águas do São Francisco.

Em 1945, sofreu naufrágio nas proximidades do povoado de Cachoeira do Manteiga, a 137 km de Pirapora. Depois de recuperado, continuou navegando até 1972, quando foi incendiado acima de Pilão Arcado, viajando de Juazeiro a Pirapora. Seu casco foi conduzido de volta a Juazeiro, onde se transformou em ferro velho. Sua capacidade era de 40 toneladas.


O “Antonio Olinto”


O “Antonio Olinto” era um “gaiola” antigo de origem desconhecida que naufragou durante a Revolução de 1930, abaixo de Juazeiro, num lugar conhecido por “Caldeirão”, onde até hoje se encontra submerso. Não foi recuperado, pois o trecho onde naufragou é muito fundo.

Este foi o ultimo vapor a navegar abaixo do porto de Juazeiro. Antes a navegação era feita até Santa Maria (PE).

O acidente causou a morte de vários soldados de PM do estado da Bahia, sediados no Batalhão de Juazeiro: o pequeno gaiola ia conduzindo uma tropa de soldados, que ia a Curaçá sufocar uma revolução e prender os revoltosos.


O “Santa Clara”

Outro “gaiola” que teve um fim trágico. Em 1932 naufragou num lugar denominado “Mucambo dos Ventos” a 18 km acima de Xique-Xique, morrendo várias pessoas, entre elas, a filha do comandante Antonio de Mendonça, que se encontrava trancada no camarote.

Depois de várias tentativas de recuperar o “Santa Clara”, veio do Rio de Janeiro o engenheiro Otávio Carneiro, proprietário do navio e chefe da Cia. Indústria e Viação de Pirapora, que ajudou pessoalmente na recuperação do barco. Contraiu uma doença grave no local, vindo a falecer ao chegar a Pirapora.

Somente depois que as águas baixaram é que o “Santa Clara” foi recuperado. Seu casco foi aproveitado na construção de outro “gaiola” que deram o nome do diretor da Companhia “Otávio Carneiro” e assim, o nome “Santa Clara” foi esquecido na carreira do rio. Sua capacidade era de 50 toneladas.


O “Coronel Ramos”

Pertencia a Cia. Indústria e Viação de Pirapora herdou o nome de um de seus diretores. Sua capacidade era de 30 toneladas. Como os demais “gaiolas”, foi vendido como ferro velho pela Cia. de Navegação do São Francisco.

O ‘“Francisco Bispo”

Adquirido pelo industrial Júlio Mourão Guimarães, em 1930, no rio Amazonas. Foi batizado com este nome, em homenagem a “Francisco Bispo”, o melhor mecânico de todo Vale do São Francisco na época.

O “Sertanejo”

Era da firma Satrem S/A – Rio Minas. Foi lançado no rio em 1938. Rebocava duas chatas com capacidade para 100 toneladas cada. Sua cor era verde e por essa razão, ficou conhecido em toda margem do rio como “Periquitinho Verde”.


O “Governador Valadares”


Este “gaiola” de origem desconhecida sofreu dois naufrágios antes de ser transformado em ferro velho. Um dos naufrágios foi na Cachoeira do Sobrado, onde hoje é a barragem de Sobradinho em 1966, o outro naufrágio havia sido registrado em 1959, abaixo de Bom Jesus da Lapa, num lugar denominado “Itibiraba”. Sua capacidade era de 120 toneladas.



O “Afonso Arinos”



Era um “gaiola” pequeno de origem também desconhecida. Em 29 de janeiro de 1946, sofreu naufrágio a 6 km acima de Itacarambi, num lugar denominado “Sobrado”. Também foi transformado em ferro velho.


O “Paracatuzinho”


 Também um dos “gaiolas” de pequeno porte que navegava no São Francisco. Em 1960 naufragou na Cachoeira Três Irmãos, no Rio Paracatu, tributário do São Francisco.



O “Juracy Magalhães”

 


O maior vapor da frota da Navegação Baiana levava até seis meses sem poder navegar no rio, porque era muito grande, e nas estiagens o rio ficava muito raso, como hoje. Só navegava com o rio cheio, era muito largo. Navegou até 1963, sendo encostado no porto de Juazeiro, onde acabou no seco.


O “Costa Pereira”


Antes, este “gaiola” tinha o nome de “Pirapora”. Em 1930, naufragou na “Tapera” 36 km acima de Pilão Arcado. Não foi recuperado.
Assim como o “Costa Pereira”, os “gaiolas” “Nilton Prado” e “Rodrigo Silva” tiveram o mesmo fim, naufragados sem serem recuperados: O “Nilton Prado” naufragou em 1952, em um lugar denominado “Tabocas”, a 12 km acima de Xique-Xique, e o “Rodrigo Silva” naufragou em 1932, nas proximidades da “Ilha do Rio”, a uns 30 km abaixo de Xique-Xique. Em conseqüência a este naufrágio, o local passou a ser denominado “Rodrigo Silva”.

“Costa e Silva” e “Juarez Távora”



 Tratava-se de duas lanchas ônibus construídas pela FRANAVE nos anos de 1968 e 1969 para transporte de passageiros entre Juazeiro e Pirapora. Ambas compostas de 1ª e 2ª classes com poltronas de luxo.

Foram construídas no estaleiro da Ilha do Fogo em Juazeiro, mas ficaram desativadas por longos anos, vez que, o rio não oferecia condições de trafego, por ser muito raso para elas, os motores são a jato, sendo possível navegarem apenas dentro do lago de Sobradinho, onde não se verifica bancos de areia. Depois de passarem muito tempo desativadas no Porto de Juazeiro, foram adquiridas pela Bahiatursa, em 1981, para exploração do turismo no lago de Sobradinho. A Bahiatursa desistiu e a intenção era transformá-las em empurradores (nota> dados de 1985, da publicação do livro).

Ambas, com motor a diesel, com potência de 150 HP de força. Cada uma mede 35,36 m de comprimento, com capacidade para 131 passageiros.



Os saudosos “gaiolas” do São Francisco foram desativados e substituídos pelos empurradores Santa Alice, Santa Glória, Santa Dorotéia, Santa Bárbara, etc. que impulsionam as embarcações “Barranqueiras” e “Chatas” feita para transportar turistas e passageiros da própria região e a “chata” para transporte de mercadorias.

Fica hoje a saudade dos antigos “gaiolas” e dos “vapores”!

Por sorte, temos o “Benjamin Guimarães”, ali, novinho, todo restaurado a nossa espera e dos turistas que visitam Pirapora para um passeio de lembranças e histórias.
(velhochico.net)



Créditos: Texto copilado e adaptado do livro “O velho Chico” (sua vida, suas lendas e sua historia) de Wilson Dias da Silva. Editado em Brasília - 1985 – Com apoio do Ministério do Interior e da CODEVASF


O Sucateamento (A parte mais triste desta bela história).
 Os Empurradoes ou  rebocadores como eram conhecidos nas barrancas






Toda esta postagem foi retirada do site Velho Chico, a quem gostaria de agradecer, por gentilmente conceder que nos desfrutemos destas maralvilhas e poder-mos viajar um pouquinho pelos vapores e gaiolas do nosso São Francisco.
Leonardo Ferreira.






quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Januária Década de 40

Januária na década de 40, como mudou será que para melhor? 

Vejam as fotos e tirem suas conclusões.

 JANUARIA 1943 OAAAAO-ulWMYvnO0hthvJ616Jl8vthtDTAlgJhaG-bJikFUzLATEOHPQtlRlyAxoit9w-2oaYvGx1A0r6T9CcFZfWoQAm1T1ULSpxuPoXEFFhTHtW13A5c4vVH1G OgAAAAeLGmOVu7X7Jc2R4kZzS29Zw-K3EJFgpotFj_jS3NouIQeVsvMgGvjl21XA2ah5rRZARBawxWEV-oUNeuIqZhkAm1T1UDfCEKH9x0N6RyM5GJT4O1DXudUe OgAAAAo9V08veCr7OMNEU2BwEY67f9aa-zY7R4yelQ39ouxXRB27LyU2yHu94OMg7Zc0Z72JO4qXd9Kv6x0HSvtrsSUAm1T1UHr9WZdSU609UR8mDqNQSofaDbwc OgAAAAqrJOpFSiZVYcfiRzekhY-qQ_-tfUag6vj_UcvPWqhBzEK1-KdogBKXB7FhZS-wAP1UQHCPMtjA53KwGApVU-cAm1T1UCYFfCVw5T_pyFn5RCGSkIdoQGkW OgAAACn5j6gprNtWm-3hAn0gxqvrMRQVMYdRJCxeBPt4emQ7PdwUFC_qEKwQrNUvUdDaCG-ADpUh61ZPvULgilNhGwgAm1T1UEiS2MULL9u3-tnZdg5_CPaoiHfS OgAAADgHPaAlqZTCxpCYogBzMNQk9apWj4OE_MGlqksvvzZPIwILiuL1W4M8co9bGzt4IWdHVDmhd0U8jF9ZQbstA2IAm1T1UCdxjOam9X1MpYHYWystJDpD0_2H OgAAADKoCupDx3RQEh-KCkQvobsDM3X9vPHgUD-6mFOA22JZABsRM8HLtOnyApsDpXuQe_BvroBST-s7FbwqicXXOC8Am1T1UFpo3_teBa2oH8y6muovMXh2RmUg OgAAADMR-WzoCqNZDuTMeJ0tf4KK0GIycHybCHMl9QnpmC_-0ElVMBpQrPyb5-qgOnQS_aBdug7m3yPjOJTGJsH4iSoAm1T1UAoAKVHy5jX4Or4aGrjZQPAkEAvi OgAAAE0dfkx8m81bR7kg5qYTlZb1Gx1wqw0WeJxgmD5bPXMK3ZhkR89Kr4Jb8dbD2rBHb6xcX8lhAS2rBtr6YrA5O7oAm1T1UGWxoA8sZnFJEaWbcagRxIQDmMDw OgAAAEOixGECBecPwQQuE9n-alqs_28g3l7VX-klfQWdKXK3GHnvyp3QQZQmDdp1de0wufJsNdUeXnTOcMu1W4e5ixUAm1T1UA-X9xY1bk8hGlVwmButh81aN6BB OgAAAHDtbA3KkmZY56jk1e9PaiuhSOgSe-WcPqBbVmtFBnBgAjjvle9t4KU2VVq_bSJY_BSbdorN-vlRzrzA5rijblQAm1T1UC2NgZt0JvghSzM1HsA363t6zWE1 OgAAAJ2dK9p9WalekJiCoY6MApaWqZoqNOnd38EDAx-UHMcW_LIT9fiUwQC5gloUWQF888g_DhBqD0uUcBBjiejjXqgAm1T1UAE9NpWU0tPgLUFcT9grxyt7NJFF OgAAAJTV2gYAtQ6QXkZwFMzwExjXfRkWamGBtSwgWKcf06byED6WhxwEBoW2_AHG0EmV-aoantYmjfYRV7PMu7c-hCsAm1T1ULrbCgNRkSg5P2tos6nIlRHGOCac OgAAALFMi_jiRVRdJKoFCPevf6s9AUMuvyIuUIEknFxvA9taZIIdK4HFJBM840uZ2UtfJ6GqnWhjS3G3eZo0afLfu1cAm1T1UM1r7H1ub7XMkXgGFKML7EAHk6qc OgAAALoIXjy_lfflt3VdqpF43YMD7ootYstjMT9CQjQPmiczT-Kh7y1QfeQp48d1cqLsfD731lF5O_FyBfhYyz5NiIQAm1T1UJWxcfwaT_nmPLT6Ln6WCyH8cP5v OgAAAMBkN6NiAQh_tRM9JbgDKu5tVhw-6x_tPr8TnkTWk-I4h7Nr5G78iE1STP8y4EUvZGX1IGjpG4730-2VXDqQEYMAm1T1UKxp896NpM0zN5OepRayRodRGsEu OgAAANZB80phvTvJiIgyuIUgAd9d7voyji_aIu5kDOYQbznnbReRm-BQUS7BU3D0BIfH8gMya1c3m32_vFFzfHoaK7wAm1T1ULa6CvtnMQqbL8lmZC73tQSJASTE

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Benjamim Guimarães.....histórias que não se contam.....




.Benjamim Guimarães.....histórias que não se contam.....
NARRATIVAS RIBEIRINHAS NO VALE DO SÃO FRANCISCO (BRASIL)


 
(Obs.> Esta matéria foi publicada em 2001, fazendo parte do corpus documental e discursivo, levantado na época de defesa da tese de doutorado do autor)
Roberto Lima


1 Agradeço aos amigos do São Francisco, que me permitem compartilhar pedaços de vidas, e me guiaram por este rio: David Nogueira, Orleans, Nestor, Bertinho, Camerindo, Sandoval, Zé de Júlio, Emília Nogueira. As imprecisões são, claro, de minha responsabilidade.




O último apito do último vapor
Existe um último barco a vapor aportado em Pirapora. O Benjamin Guimarães, espécie de fóssil vivo que testemunha um passado onde 27 vapores viajavam pelo rio e as companhias de navegação totalizavam 1300 funcionários. Este barco não navega desde meados da década de 1990, e tem gerado nos últimos anos uma disputa política que ainda vai destruí-lo, como é comum aos monumentos de memória brasileiros.8




Transcrevo aqui alguns trechos de entrevistas da caderneta de campo para introduzir o assunto:
Essa história da caldeira do Benjamin estar condenada é inventada. Foi na época que tivemos um prefeito turco [em Pirapora-MG], o Wallid [que foi cassado antes de terminar seu mandato], que queria passar [a propriedade d]o vapor para a prefeitura e combinou com o presidente da companhia [Franave na época, que também era turco, para encostar o navio, que o barco encostado era mais fácil para a prefeitura pegar (N. – bordo do empurrador Santa Glória).
Por acaso, viajei com o último maquinista a colocar fogo na caldeira do vapor: Este ano foram fazer umas filmagens [em Pirapora] e pediram para pôr fogo na caldeira [do Benjamin Guimarães], eu fui lá e acendi. A caldeira é velha mas ainda dá confiança. Fui lá, deixei dar pressão, pus as máquinas para rodar, só não tirei [o barco] do porto porque há a mentira da caldeira estar condenada. Toquei o apito... (D. – bordo do empurrador Santa Glória)
Aquele apito rendeu a ele uma “bronca do presidente da companhia”: toda a cidade chorou e dois velhos marujos tiveram de ser hospitalizados com dores no peito.
Tarsila, a vizinha do L., chorava convulsivamente na porta da casa e escondia o rosto nas mãos, lembrando de seu falecido Matias, taifeiro. Quando D. chegou em casa, seus septagenários pais choravam sentados na sala, abraçados: “filho, que vapor é esse que chegou no porto?”. A emoção era infinitamente mais forte que a razão: todos os moradores de Pirapora com mais de 50 anos sabem diferenciar o apito de cada um dos quase trinta vapores que existiram no rio, mesmo considerando que praticamente todos estes foram desfeitos e transformados em sucata no início da década de 1970, quando a Franave era comandada pelo vice-almirante Sartie.10
O apito metálico e lúgubre do navio rasgou o presente trazendo em seu sopro a nostalgia da juventude para a memória de toda uma cidade. Uma paisagem há muito destruída passou pelos olhos dos moradores, mesmo para aqueles que não tinham no rio um dos centros de suas identidades, mas que acorriam todos ao porto quando soprava um apito que significava o retorno de parentes, ou a chegada de pessoas de fora, correio, notícias e mercadorias.
( A última viagem longa do barco, nos 1300 km que separam Pirapora e Juazeiro, se deu em 1986, mas o barco continuou fazendo pequenas viagens por mais dez anos. Embora eu não conheça nada de “resistência de materiais”, visitei o velho vapor e o que vi foi uma peça sólida. O fato de o motor funcionar numa rotação extremamente baixa, cerca de 25 rpm (em média velocidade, um motor de carro trabalha a 3000 rpm), faz com que praticamente não exista desgaste por vibração. De acordo com o maquinista, esta caldeira tem vários dispositivos de segurança, entre eles uma placa de liga metálica com baixo ponto de fusão que faz a separação entre o forno e a caldeira de pressão que lhe fica acima. No caso de um superaquecimento,
esta placa se derrete e a água da caldeira cai sobre o forno apagando-o. Ele ainda disse que numa das últimas vezes que o vapor rodou, deixou dar pressão bem acima do normal para verificar se havia algum vazamento. “A caldeira é velha mas ainda dá confiança” (D. – bordo do empurrador Santa Glória). )
Conforme será retomado adiante, foi-me vedado o acesso aos arquivos da companhia, portanto algumas datas e contextos não podem ser melhor especificados do que está aqui apresentado e reconstruído a partir de falas de marujos.
Para aqueles que trabalharam na navegação e suas famílias, a dor é ainda mais forte, pois há a consciência das mudanças no próprio rio, algo que foi magistralmente descrito por Márquez em O Amor nos Tempos do Cólera:
— É o pouco que nos vai restando do rio – disse o comandante.
Florentino Ariza, com efeito, estava surpreendido com o que havia de mudado, e mais ainda estaria no dia seguinte, quando a navegação ficou mais difícil, e percebeu que o rio pai, o Madalena, um dos maiores do mundo, não passava de uma ilusão da memória. O capitão Samaritano explicou como o desmatamento irracional tinha acabado com o rio em cinqüenta anos: as caldeiras dos
navios tinham devorado a selva emaranhada de árvores colossais que Florentino Ariza sentia como uma opressão na primeira viagem. Fermina Daza não veria os bichos de seus sonhos: os caçadores de peles dos curtumes de Nova Orleans haviam exterminado os jacarés que fingiam de mortos com as fauces abertas durante horas e horas nos barrancos da margem para surpreender as borboletas, os louros com suas algaravias e os micos com seus gritos de doidos tinham ido morrendo à medida que acabavam as frondes, os peixes-boi de grandes tetas de mãe que amamentavam as crias e choravam com vozes de mulher desolada nas pontas de areia eram uma espécie extinta pelas balas blindadas dos caçadores de prazer (Márquez 1985: 408-409).

Enfim, nas palavras de vários fluviários, o poder que tem este vapor como concreção de tempo é que irá destruí-lo: “É ele que elege os prefeitos: em Pirapora, a promessa de restaurar o vapor é igual aos discursos [no Congresso Nacional, em Brasília-DF] de quem diz que vai acabar com a seca” (N. – bordo do empurrador Santa Glória). Essa história fantástica foi contada a bordo de um dos empurradores da companhia,11 com a seguinte recomendação: “Você não vai publicar isso? Segredo de água não chega em terra”.
Após muito pensar, resolvi-me por escrever o trecho ocultando os nomes dos entrevistados, possibilidade à qual, num primeiro momento, não se opuseram (e posteriormente apoiaram), pois infelizmente a profissão de antropólogo sempre tem esta tensa relação entre o segredo e a tagarelice.
De certa maneira, estou agindo como se eles me tivessem dito que “segredo de água não chega intacto em terra”, terra esta que é englobada pelos olhos do patrão.

A separação entre os mundos da água e da terra é fundamental para entender esta história, assim como a separação entre tempo presente e outros tempos, o tempo “além”, havendo, no modo de ver a vida destes agentes, várias temporalidades que se organizam espacialmente inclusive, como uma temporalidade terrestre e uma temporalidade aquática. Os marujos têm uma profusão de lealdades que se intercalam com receios – aos barcos, uns aos outros, ao rio, à história de suas famílias, à companhia – que se concretizam numa fala quase subliminar: um ruído de onde se reconhece apenas palavras soltas que vêm do leito do rio, um murmúrio cujo som mais inteligível é o apito.
Como a gente é concursado, eles não podem mexer com a gente, mas se um de nós tem um filho que presta serviço, como eu, eles vão atrás do filho e cancelam o contrato (D. – bordo do empurrador Santa Glória).

Na verdade, um enorme comboio de quase 200 m, carregado com 2000 toneladas de soja, no qual viajei durante nove dias, entre as cidades de Juazeiro-BA e Ibotirama-BA.


No São Francisco, de qualquer forma, para burlar a vigilância panóptica, a mensagem deve sempre ser cifrada ou, se em forma de denúncia, anônima: Numa dessas viagens o João Guedes [um antigo comandante] comprou um papagaio, e o louro não falava. Aí, o louro ficava lá atrás e eu, toda vez que passava perto, olhava para ele e dizia: “João Guedes rouba!”, “Filho da puta!”.
E o louro só mexia a cabeça e olhava de lado [enquanto contava, L. movia a cabeça e me olhava, imitando o papagaio].

Quando o João Guedes chegou em casa e levou o louro, a primeira coisa que o louro disse foi: “João Guedes rouba!”, “Filho da puta!”. O João Guedes ficava resmungando: “Isso é coisa do safado do L.”, mas quem sabia? (L. – bordo do empurrador Santa Glória)
Esta forma de comunicação ou denúncia que chega em terra através do papagaio ensinado no rio transita entre dois termos caros a Benjamin: “O enigma é um fragmento que junto a outro fragmento que lhe convém forma um todo. O mistério, ao contrário, sempre foi evocado mediante a imagem do véu, esse velho cúmplice do longínquo” (Benjamin 1972, citado em Vázquez 1996: 23).
É perigoso, para quem fala, expor a verdade transparente das relações de trabalho. Elas devem permanecer ocultas nos camarotes, mas, ao mesmo tempo, o sentimento de sua profunda iniqüidade impele a que partes sejam reveladas alegoricamente, nos fragmentos. Existe, na região do São Francisco, uma “luta pela memória”, não no sentido de preservação do maior número possível de fatos que possam ser reinterpretados, mas de apagar sistematicamente tudo aquilo que não coincide com a visão hegemônica.
É neste sentido que pode ser pensada a franca dificuldade em conseguir informações sobre o passado da companhia de navegação, por exemplo: dos velhos vapores só consegui uma listagem feita por um dos diretores atuais, José Guedes, na qual só havia os nomes das embarcações; nenhuma informação sobre tripulação, quanto tempo navegou, se levava passageiros ou apenas carga, etc. A questão que deve ser levantada é se, sendo a hegemonia um trabalho, o apagamento seletivo por vários setores que se vão sucedendo acaba por apagar qualquer rastro da história? 

Novamente esta tensão era presente a bordo dos barcos:
É que o José Guedes não tem compromisso com a navegação, aqueles que estão no escritório não se preocupam com isso daqui. Quando você for lá de novo nós vamos juntos, que lá atrás tem um quartinho em que essas coisas
ficam jogadas. Olhe, para você ter idéia, eu achei registro do meu avô embarcado (L. – bordo do empurrador Santa Glória).

Aqui dá para perceber a questão do compromisso entre a família e a navegação. Também o pai e o avô de L. eram marujos: “então eu me considero realizado” (L. – bordo do empurrador Santa Glória); e seu tecnônimo que aqui está ocultado vem do apelido de seu avô que foi herdado pelo pai, e depois por ele. Atente-se que, para estes agentes, a “navegação” são os que trabalham nos barcos. Para eles, é uma deturpação do sistema o fato de que, à época da pesquisa, apenas 21 dos 100 funcionários da companhia (ou seja, cerca de um quinto) fossem fluviários, sendo que, destes, alguns se aposentariam brevemente e não havia perspectiva de novos concursos:
Aqueles caras que estão lá nos escritórios não têm compromisso nenhum com a navegação. Tem muitos deles que dizem “eu quero que isso aqui acabe”. O penúltimo diretor [Lúcio Flavio Coelho], ele era filho de comandante, então
ele dizia [quando viajava eventualmente a bordo]: “tudo que eu tenho eu devo a isso aqui”. Então ele tinha esse compromisso. Esses que estão agora lá, não (N. – bordo do empurrador Santa Glória).

D. foi o último marujo a entrar na companhia hereditariamente: “na época tinha essa lei, o emprego em estatal era vitalício: quando um [funcionário] aposentava, ele podia indicar um filho, e foi isso que meu pai fez. Aí eu entrei, acho que era na época do Figueiredo, e um tempo depois mudou a lei [a referência é à promulgação da Constituição Federal de 1988, que instituiu a obrigatoriedade de concursos públicos, quatro anos depois da sua admissão]” (D.). A bordo, da tripulação total de sete pessoas, além dele, o pai de V. tinha sido comandante, o tio de N. e o pai de D. e de O. tinham trabalhado na navegação.
Por outro lado, o mundo da água é o sertão do sertão. Ou seja, se o sertão são os espaços que, dentro do imaginário do estado nacional brasileiro, são reportados vazios pela sua resistência à domesticação/aceitação do aparelho de estado, o rio, como espaço de movimentação de gente, é o espaço mais refratário, ainda hoje, à inclusão na geopolítica estatal. 


Bons exemplos são os “remeiros” estudados por Zanoni Neves (1998).20 As barcas eram, muitas vezes, pequenos bandos de jagunços flutuantes:
Os “remeiros”, também conhecidos como “moços de barca”, trabalhavam empurrando as barcas em viagens rio acima ou abaixo, numa ocupação digna das galés.
Tinha um barqueiro [dono de barca] abaixo de Morpará que, você chegava para ele [e dizia], “coronel Messias Ramos, eu queria trabalhar para o senhor”, ele dizia: “fica aí meu filho” e pegava o rifle [que sempre ficava do seu lado na cadeira] e manobrava na sua direção. Se você fizesse alguma menção [mexesse-se] ele dizia: “vai embora meu filho, você não me presta” (Mestre Ciço – Remanso). A presença destas relações só se verá diminuída no rio na década de 1950, pela introdução das barcas sergipanas com duas velas, do motor a combustão, e da fiscalização das leis trabalhistas no rio pela marinha. Contudo, a idéia
de o vapor como um “estado flutuante” permaneceu até o fim da navegação de passageiros, embora parte de sua atuação pareça devida à leitura local da legislação da marinha sobre barcos (o comandante decide por tudo dentro
do barco, podendo inclusive realizar casamentos e emitir certidões de óbito).

Esse poder total do comandante é presente nas narrativas das inúmeras maneiras como estes roubavam a companhia (fora o impressionante número de mulheres que engravidavam):
Há uma aparente capitalização do consumo da oferta de sexo correndo junto à diferenciação hierárquica dentro do vapor. Um comandante que registrou todos os filhos que tinha nas barrancas afora contabilizou 85.

No tempo dos vapores, como toda a contabilidade era feita pelo comandante, ele omitia direto [sempre] o que entrava e saía do barco. Esses comandantes antigos, a cada viagem, um comprava uma casa (N. – bordo do empurrador Santa Glória ).
Eles roubavam no número de passageiros. Como? Você embarcava, pagava a passagem mas o comandante não lançava teu nome no rol de passageiros. Isso continuou com as [barcas] barranqueiras [que substituíram os vapores].22
De 100 passageiros, vamos dizer, 27-30 o comandante não contava (N. – bordo do empurrador Santa Glória).

Roubavam da própria tripulação: tinha uma tabela de gastos para descarga, para pagar estivador, e tinha um dinheiro reservado para isso: saco de feijão, R$ 0,30; fardo de algodão, R$ 0,50... Aí, em vez de pagar para estivador
do porto, ele pagava R$ 0,10 para os marujos fazerem, e embolsava o resto (D. – bordo do empurrador Santa Glória).
Não havia fiscalização, então, tinha viagem que eles não registravam nada de frete (N. – bordo do empurrador Santa Glória).

O rancho [suprimento de comida] que sobrava, [era tanto que] ia de carroça para as casas do comandante, do taifeiro e do piloto (L. – bordo do empurra- dor Santa Glória).
Os taifeiros, em particular, eram famosos por serem “lisos” ou “mão rápida” (ladrões):
Antes tinha taifeiro, e taifeiro roubava pacas. Teve uma vez, o barco já ia sair e o comandante foi dar uma conferida na dispensa. Acontece que a mulher dele tinha feito uns pães de queijo para ele e os pães de queijo sumiram. Ele saiu
perguntando para um e outro: “fulano, você viu na dispensa um saquinho de pães de queijo assim, assado...”. E todo mundo respondia: “vi não senhor”.
O Barco saiu e ele ficou com aquilo na cabeça. Aí tinha uma roda com um bocado de gente, da tripulação, onversando, ele chegou e disse [bem sério]:
“Rapaz, estou preocupado. Minha mulher mandou uns pães de queijo, mas uma parte estava com veneno, que era para matar os ratos do porão. Agora os pães de queijo sumiram e se alguém comer vai morrer”. Daqui a pouco ele
encontrou o taifeiro chorando encostado na amurada: “ai comandante volta o barco que meus meninos vão morrer, eu não sabia que os pães de queijo tinham veneno, agora meus meninos vão morrer tudo comandante, eu levei pros meus
meninos e eles vão morrer comandante, volta o barco comandante...”. O comandante olhou aquilo: “mas rapaz, eu não perguntei? Por que você não falou?
Pode ficar tranqüilo, não tem veneno não eu só queria saber quem foi [que roubou]” (N. – bordo do empurrador Santa Glória). 


Obviamente “segredos de água”, estas falas elucidaram muito das entrevistas realizadas um ano antes em Pirapora. Quando tentei entrevistar um taifeiro aposentado, Antônio Porfírio, dono de uma loja de souvenires, e Antônio Borges,
contramestre também aposentado. Ambos recusaram-se a falar e remetiam-me aos comandantes aposentados. Um destes, Aniceto (que quando foi entrevistado por mim parecia um bom vovô com mal de Parkinson), revelou-se, a partir dos relatos unânimes dos fluviários recolhidos no rio, um emérito calhorda.

Teve uma vez que alguém me disse que o comandante ia pedir meu desembarque e eu fui lá perguntar: “Comandante, estão dizendo por aí que o senhor vai pedir meu desembarque...” / “Quem te disse isso? Você é marujo meu e enquanto você estiver aqui, nem mosca pousa em cima!”. Voltei todo cheio de moral: “poxa, o comandante falou que nem mosca ele deixa chegar perto de mim”. Pois não deu outra: o barco chegou na capitania ele foi lá e disse: “desembarca o L., o J., o T. B.: é tudo mau elemento” (L. – bordo do empurra-dor Santa Glória).
Olhe Roberto, teve vez de vir casal, casal da roça, visitar o Benjamin [Guimarães], e ele falar pro cabra ficar mexendo no timão – “isso meu filho faz assim, faz assim que você aprende” – e levar a mulher do sujeito para o camarote. [...] Esse cara está pagando [com o mal de Parkinson] e ainda tem muito o que pagar (L. – bordo do empurrador Santa Glória).
O desembarque é considerado uma punição branca pois, se não consta na caderneta (documento da marinha) como tal, fica registrado na companhia que houve alguma indisposição entre o vapozeiro e o comandante.
A obliteração, portanto, que a companhia faz em terra, ao sumir com os documentos, replica-se nas falas dos fluviários aposentados quando desembarcados e, entre estes, não partia apenas dos comandantes, mas também de seus “mancomunados”, como se pode depreender da diferença que houve entre os depoimentos do contramestre recentemente aposentado Walter Perereca, durante um passeio a bordo, para quem “os comandantes velhos eram terríveis” e exigiam obediência mais que rigorosa à hierarquia, e as conversas com o contramestre Antônio Bastos, aposentado na década de 1970: “esse Perereca deve ter falado muito é besteira”. Para um comandante da ativa:
As primeiras viagens que eu fiz como comandante, o Aniceto e o Leobas tentaram me passar o pulo do gato. Falavam para eu não me misturar, não sair para beber com marujo, não dar liberdade para marujo (N. – bordo do empurrador Santa Glória).
A primeira viagem que eu fiz foi que eu vi o quanto que dava dinheiro: eu me lembro que eu cheguei em Juazeiro, era uma ruma de dinheiro que eu não sabia o que fazer com aquilo. Eu sei que era dinheiro que enchia uma sacola
de plástico. Era na época que tinha o “fundão” [governo Sarney], aí eu fui no banco, depositei na minha conta para não ficar andando com aquilo e, quando cheguei em Pirapora, saquei e fui direto na Companhia: “toma esse dinheiro
aí, você me dá um recibo que amanhã eu trago minha prestação de contas”. A senhora lá ficou espantada: “que tanto de dinheiro é esse?”. “É frete”, respondi. Nesse mesmo dia um comandante desses me pegou pra falar: “você
não podia ter feito isso”. Ninguém fazia. [nesse momento da conversa, alguém da tripulação interveio: “foi como se ele tivesse chamado os comandantes de ladrões para a companhia”] (N. – bordo do empurrador Santa Glória). 


Por fim, havia ainda uma utilização dos segredos do conhecimento do rio e das embarcações em proveito próprio, como forma de “proteção de mercado”:
Quando eu entrei, os pilotos velhos, eles se negavam a passar para a gente as informações. Tanto que eles tinham certeza que a navegação ia se acabar quando eles saíssem (N. – bordo do empurrador Santa Glória).
Os mecânicos, eles armavam tendas e trabalhavam escondidos, para ninguém ver o que eles estavam fazendo. Se você ficava olhando, assim, tentando aprender, eles falavam: “vai pegar para mim a chave tal, a ferramenta tal”. Quando você chegava ele dizia: “não tudo bem, já arrumei.” Era só para você não ver (D. – bordo do empurrador Santa Glória).
Isso é diferente de dizer que há também na experiência do dia-a-dia o reconhecimento de que uns têm mais aptidão para certos fazeres. Algo bem visível no tocante à pilotagem, que implica na sutileza de “ler” o relevo do fundo do
rio nas delicadas alterações da superfície da água, e que exemplifica como um deles me apresentava a diferença entre dois companheiros (S. e L.): “ L. quer subir e virar piloto [ele é contramestre, terceiro na hierarquia a bordo e o piloto
é o segundo] para ganhar um pouco mais e aposentar um pouco melhor. Eu vou ajudar ele, vou ensinar, mas ele não vai ser um bom piloto. Ele não tem o jeito. Sabe quem tem o jeito? O S.” (N. – bordo do empurrador Santa Glória).

A navegação não acabou, ainda. Mas uma série de relações sociais internas aos barcos, sim, algumas diretamente ligadas ao fim da navegação de passageiros, quando taifeiros e camareiros desaparecem. Permanece forte o amor que estes marinheiros têm a seus barcos e o desconforto ao pensar na possibilidade do fim da navegação:
Se isso acabar, não sei. Nós paramos no tempo. Nosso horizonte é esse, tem 17 anos que eu viajo. Talvez ir para o [rio] Tietê [seja uma alternativa]. Tem quatro daqui que foram para lá e estão se dando bem (N. – bordo do empurra-
dor Santa Glória).

Já me acostumei a este serviço, não sei se daria certo em outro. Tem dia no barco que dá vontade de largar tudo, mas onde que vou encontrar algo assim? (L. – bordo do empurrador Santa Glória).



(Roberto Lima, é hoje professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE pode ser contactado pelo email: ( nadanacuca@click21.com.br )

Gostaria de agradecer ao site /velhochico.net por algumas das belíssimas imagens contidas neste texto.
Espero que tenham gostado, e fiquem a vontade para postar seus comentários.